celebração da data suscita reflexões sobre áreas profissionais com baixa representatividade feminina


Apesar das conquistas já alcançadas ao longo de mais de um século de luta por igualdade, ainda persistem espaços em que a participação feminina encontra resistência. Pensando nessas fronteiras, a Organização das Nações Unidas (ONU) escolheu, para celebrar o Dia Internacional das Mulheres neste ano, o tema “Por um mundo digital inclusivo: inovação e tecnologia para a igualdade de gênero”.

A escolha da ONU chega em momento oportuno, visto que o avanço tecnológico tem sido fundamental para a evolução das comunicações, do processo produtivo, da educação e das relações sociais, entre outros aspectos. Entretanto, mesmo com todos os benefícios trazidos pela inovação e pela tecnologia, registra-se pouca participação das mulheres nessas áreas, seja em soluções relacionadas a esses segmentos ou mesmo trabalhando neles.

De acordo com o relatório intitulado UN Women’s Gender Snapshot 2022, desenvolvido pela ONU Mulheres, a exclusão feminina do mundo digital eliminou 1 trilhão de dólares do produto interno bruto de países de baixa e média renda na última década. Essa perda crescerá para 1,5 trilhão de dólares até 2025, se não houver mudanças, segundo a entidade.

Outra estatística reveladora sobre esse assunto vem da pesquisa latino-americana denominada Women in Technology, da Michael Page, empresa mundial de recrutamento especializado. O relatório, divulgado no segundo semestre de 2021, mostra que entre 21% e 40% do total de cargos nas áreas de tecnologia são ocupados por mulheres. Entre os países da região com os menores índices de representatividade, estão o Brasil, com o registro de 25% de participação feminina, seguido do Chile, com 35%, e da Argentina, com 37%.

Ambas as pesquisas apontam alguns fatores que contribuem para a baixa participação feminina nesses espaços. O relatório da ONU Mulheres indica que o enfrentamento dessa questão perpassa pelo combate à violência on-line contra mulheres. Ainda de acordo com o relatório, um estudo com 51 países revelou que 38% das mulheres já experimentaram esse tipo de agressão.

Já a pesquisa da Michael Page indica, entre outros quesitos, a escassez de talento feminino com o conhecimento requerido e a falta de experiência necessária para ocupar o cargo como motivos determinantes para a menor participação feminina. Ao analisarmos com mais profundidade esses dois pontos, imediatamente somos remetidos a um fator determinante à baixa representatividade feminina nessas áreas: a escolha da graduação. Por que áreas como a tecnologia ainda encontram muita resistência feminina?

O auditor e supervisor nacional da Receita Federal do Brasil do Sistema de Escrituração Digital (Sped), Clovis Peres, acredita que essa dificuldade não está no curso em si, mas nas garantias de que as mulheres possam avançar em suas escolhas.

“A graduação, com certeza, ainda tem embutido um elemento de desigualdade de gênero. Mas não existe uma fórmula única para atrair as mulheres para a graduação A ou B. O que devemos fazer é oportunizar tudo o que as mulheres precisam para se realizar na graduação. Desde que ela tenha essa oportunidade de avançar no curso superior, essa questão de tornar mais equitativo o curso A ou B vai se tornar irrelevante. Já vimos isso no curso de Ciências Contábeis e precisamos estender isso a todos os cursos”, pondera.

O auditor ainda faz questão de diferenciar as dificuldades de atrair e de reter. Para ele, a retenção é ainda um desafio maior, pois ainda pesam contra as mulheres questões de ordem prática que não acometem a maioria dos homens.

“Eu acho que o maior desafio está na retenção, porque a gente ainda percebe dificuldades que as mulheres enfrentam no mercado de trabalho e os homens não. Seja discriminação pura e simples, sejam questões de ordem prática. Às vezes elas têm jornada dupla, eventos na casa que contribuem para tirar o foco do trabalho, porque pode ter um conflito em casa, e talvez o marido não entenda as suas necessidades em se dedicar ao trabalho da forma necessária. Os filhos às vezes podem demandar mais, ou seja, as mulheres tendem a ser mais demandadas no ambiente familiar. E isso tem de ser entendido no ambiente profissional. Não há mais que se ignorar essa questão. É uma realidade que nós vamos superar, não tenho dúvidas, mas há um desbalanço em que o homem atua no ambiente profissional muito mais desvinculado do ambiente familiar. O mesmo não ocorre com a mulher. Então aqui me parece que o maior desafio é que os empregadores e os ambientes de trabalho entendam essa necessidade”, afirma o auditor.

Para a contadora e membro da Comissão Nacional da Mulher Contabilista do Conselho Federal de Contabilidade (CFC) Ivone Sandra Silva, os desafios da retenção das mulheres em qualquer área se devem ao preconceito e à falta de ações que promovam essa participação. “O preconceito é, sem dúvida, um dos maiores obstáculos à inserção de talentos no mercado de trabalho. Somente conseguiremos superar esses desafios com o desenvolvimento profissional, criando políticas de inserção de mulheres no mercado de trabalho, programas de combate à misoginia, associados a políticas de orientação e ao amparo à maternidade”, afirma.

A contadora lembra ainda que a baixa participação feminina em algumas áreas gera perdas – não somente econômicas, como também no campo do conhecimento. “O principal ganho da participação feminina é o conhecimento, pois as mulheres têm uma capacidade de agregar, trabalhar em conjunto, ou seja, liderança com foco colaborativo”, finaliza.

Google – A busca pela ampliação da participação feminina na inovação e tecnologia tem ganhado o interesse e o engajamento de empresas preocupadas em promover a diversidade nos respectivos ambientes de trabalho. Um exemplo emblemático vem do Google que, no Brasil, desde 2021, tem realizado capacitação gratuita para mulheres, por meio do programa Cresça com o Google para Mulheres na Tecnologia.

Desde sua criação, o programa já promoveu 5 rodadas de conversação com as temáticas Mulheres que querem empreender, Mulheres que buscam desenvolver suas carreiras, Mulheres que querem retornar ao mercado de trabalho, Mulheres Pretas e Mulheres na Tecnologia. O conteúdo desses debates estão disponíveis no site da plataforma de treinamento do Google, o Cresça com o Google, pelo link g.co/TreinamentosCresca.

CFC Mulher – Outra iniciativa com propósito semelhante, mas foco diferente, é desenvolvida pelo Conselho Federal de Contabilidade (CFC). Por meio do programa CFC Mulher, gerido pela Comissão Nacional da Mulher Contabilista do CFC, a entidade busca garantir que as profissionais da contabilidade ocupem funções de liderança, em todos os níveis de tomada de decisão, com igualdade de oportunidades, por meio de capacitações.

Após reformulação sofrida pelo programa no ano passado, o CFC Mulher firmou compromisso de atender algumas diretrizes do Pacto Global da Organização das Nações Unidas (ONU), do qual a autarquia faz parte desde o primeiro semestre do ano passado, e incorporou à estrutura das atividades da comissão três dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU. Entre eles, estão o Objetivo 5: “Igualdade de Gênero”; o Objetivo 8: “Trabalho Decente e Crescimento Econômico”; e o Objetivo 10: “Redução das Desigualdades”.

A partir dessas bases, o programa definiu como metas:

  • garantir que 30% das profissionais da contabilidade ocupem cargos de liderança até 2025;
  • assegurar que 50% das profissionais da contabilidade estejam em cargos de liderança até 2030;
  • incentivar 30% das organizações contábeis a aderirem ao movimento Elas Lideram 2030 – Pacto Global da ONU;
  • apoiar a realização de uma edição do Encontro Nacional da Mulher Contabilista;
  • garantir que 100% das profissionais da contabilidade em operação nas organizações tenham salário digno, até 2030; e
  • até 2030, empoderar e promover a inclusão social, econômica e política das profissionais da contabilidade, independentemente de idade, gênero, deficiência, raça, etnia, origem, religião, condição econômica ou outra.

Encontro da Mulher Contabilista – Para promover o alcance desses objetivos, o CFC, em parceria com a Fundação Brasileira de Contabilidade (FBC), promoverá, entre os dias 20 e 22 de setembro de 2023, o XIII Encontro da Mulher Contabilista, a ser realizado em Manaus (AM). O evento tem como objetivo reunir profissionais de renome nacional para debater importantes assuntos relacionados à área técnico-contábil e à gestão empresarial, com foco no universo feminino.

De acordo com a coordenadora da Comissão Nacional da Mulher Contabilista do CFC, Marlise Alves, a participação feminina nesse evento, que já é tradicional entre as profissionais da contabilidade, rende bons frutos às participantes. “A movimentação feminina que acontece dentro desse evento faz com que a gente crie uma rede de contatos e se aprofunde em temáticas distintas de interesse do público feminino”. “Os homens também são muito bem-vindos. Eles podem e devem participar, porque o evento é, sobretudo, uma atualização de desenvolvimento profissional”, finaliza. Informações sobre inscrições e demais comunicações podem ser acessadas no site do CFC, pelo link https://doity.com.br/xiii-encontro-nacional-da-mulher-contabilista-manaus-am

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